domingo, 31 de março de 2013

Tipos populares portugueses IV - Fernando da Ponte e Sousa - SECLA

Continuando a publicação de figuras de tipos populares portugueses da autoria de Fernando da Ponte e Sousa (1902-1990),  para a SECLA, nos Anos 50, acrescentamos mais uma figura feminina. 
Desta vez uma nazarena peixeira, de modo a complementar a publicação anterior, sobre as mulheres da Nazaré.

Outras figuras da mesma série:
Tipos populares portugueses - Fernando da Ponte e Sousa - SECLA
Tipos populares portugueses II - Fernando da Ponte e Sousa - SECLA 
Tipos populares portugueses III - Fernando da Ponte e Sousa - SECLA

Nesta peça, as roupagens coloridas, com fortes padrões gráficos, contrastam com a capa e o chapéu negros. A figura é representada sentada no chão, como era usual, e o peixe, dentro de uma selha, é sobredimensionado, de modo a reforçar o sentido caricatural.



Fernando da Ponte e Sousa - Nazarena, c.1955, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - Nazarena, c.1955, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - Nazarena, detalhe, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - Nazarena, detalhe, SECLA. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - Nazarena, marca, SECLA. © CMP


À semelhança de outras, esta figura foi produzida em várias variações cromáticas, sendo o desenho dos padrões e escolha das cores, da responsabilidade dos pintores. As peças apresentam as marcas da SECLA e algumas vezes também a assinatura do pintor responsável pela execução.



Fernando da Ponte e Sousa - Nazarena, c.1955, SECLA. Etsy



Fernando da Ponte e Sousa - Nazarena, c.1955, SECLA. © CMP




Fernando da Ponte e Sousa - Nazarena, marca, SECLA. © CMP


A simplificação das formas, demonstra uma observação atenta da realidade. Essa capacidade de sintetização, particularmente desenvolvida por Ponte e Sousa nesta série de figuras, não é conseguida com o mesmo grau de eficiência em todas as peças. Enquanto nas nazarenas anteriormente apresentadas, ela é levada ao extremo, neste caso, o traje e a postura aproximam-se mais de outras figuras de vendedeiras da mesma série, reproduzindo poses e gestos característicos destas actividades.



Nazaré, peixeiras. Fotógrafo desconhecido.


Grupo de Nazarenas. Fotógrafo desconhecido. eBay



As figuras de varinas ou peixeiras da Nazaré foram exploradas por vários autores, tanto na SECLA como em outras fábricas.
Como vimos aqui, a Fábrica de Loiça de Sacavém, abordou a temática segundo a linguagem moderna de Maria de Lourdes Castro (n.1934). Estas figuras, tal como as de Ponte e Sousa,  não têm rosto, concentrando toda a expressividade no gesto e movimentos do corpo, no entanto, nas peças de Sacavém, não encontramos a dimensão caricatural ou os traços de cartoon que caracterizam as peças da SECLA.



Maria de Lourdes Castro/FLS - Figura de Peixeira (Nazarena) A-27. © JMPF



domingo, 24 de março de 2013

Tipos populares portugueses III - Fernando da Ponte e Sousa - SECLA

Damos continuidade à publicação de figuras de tipos populares portugueses da autoria de Fernando da Ponte e Sousa (1902-1990),  para a SECLA, fábrica da qual foi sócio fundador e gerente juntamente com Alberto Pinto Ribeiro (1921-1989), de 1947 a 1955, retomando o cargo, entre 1966 e 1974.

Outras figuras da mesma série:
Tipos populares portugueses - Fernando da Ponte e Sousa - SECLA
Tipos populares portugueses II - Fernando da Ponte e Sousa - SECLA 
Tipos populares portugueses IV - Fernando da Ponte e Sousa - SECLA


Ponte e Sousa frequentou o atelier do escultor Leopoldo de Almeida (1898-1975), dai resultando a aprendizagem académica da modelação da figura humana, revelada em peças escultóricas de maior escala, produzidas em séries limitadas pela SECLA. 
A sua habilidade como modelador leva-o a conceber também serviços para a produção corrente, uns ecoando tardiamente a geometria Art Déco e outros adaptados a um gosto de cariz popular, procurando servir as necessidades do mercado. 
No entanto, é nas figuras populares humorísticas, em especial as que hoje publicamos, que melhor revela a sua capacidade de sintetização da forma. Esta série caricatural, por si modelada na década de 50, continuou em produção por vários anos, resultando em variações cromáticas e gráficas da autoria dos pintores responsáveis pela execução da decoração, que muitas vezes também assinam as peças.
Os exemplares que agora mostramos, no entanto, constituem excepção à regra, já que, pela concepção sumária, não permitem qualquer variação decorativa: duas figuras de mulheres da Nazaré, envoltas nas suas capas negras. 



Fernando da Ponte e Sousa - Nazarena, c.1955, SECLA. © PMC


Fernando da Ponte e Sousa - Nazarena, marca de fábrica, SECLA. © PMC



O traje típico da Nazaré é composto pelas famosas sete saias, das quais a exterior é plissada, de cor lisa e as seis interiores são de padrões variados, com orlas decoradas, combinadas com blusas de algodão florido. A complementar, o avental em seda bordada à mão e o cachené, lenço típico.
Deste traje faz também parte a capa preta, de fazenda de lã e o chapéu, com grande borla, do mesmo material.
A capa, protegendo do frio ou do calor, aparece amiúde retratada nos registos fotográficos da década de 50 e anteriores. As mulheres da Nazaré, esperavam os seus homens no regresso do mar, muitas vezes sentadas na areia, abrigadas na madrugada, pelas espessas capas negras. Abrigo protector, "tenda", "casa", a capa assume uma função fundamental nos comportamentos femininos e na preservação das relações sociais.



Nazaré, 1958. Fotografia de Louis Stettner (n.1922).



Nazaré, 1958. Fotografia de Carlos Afonso Dias (1930 - 2010).



Nazarenas - cartão postal, Anos 30.



Nazaré - cartão postal, Anos 60.



Ponte e Sousa trabalha nestas duas peças um dos traços identitários mais fortes das mulheres da Nazaré, como podemos comprovar observando as várias reportagens fotográficas da autoria de fotógrafos nacionais e internacionais, que pela região passaram. 
Ou melhor ainda na obra cinematográfica de Leitão de Barros (1896-1967), que trata magistralmente o tema no documentário "Nazaré, Praia de Pescadores" (1928) e mais tarde na docuficção "Maria do Mar" (1930), duas incontornáveis obras-primas do cinema mudo português.
Nas peças de Ponte e Sousa, o sintetismo é levado ao extremo. As figuras são retratadas agachadas, segundo uma composição piramidal, reveladora de uma aprendizagem clássica, pondo em causa ironicamente o conceito de estátua de capote, depreciativamente aplicado à estatuária do Estado Novo.
Este conceito refere-se à estatuária pública monumental que, tomando como modelo as propostas de Francisco Franco (1885-1955) consubstanciadas na estátua de Gonçalves Zarco, exibida na Avenida da Liberdade, em Lisboa, em 1928, desenvolve um conjunto de figuras históricas envolvidas em volumosas capas, dando origem a uma linguagem académica que, como qualquer academismo, se afasta das propriedades expressivas do modelo. 
Nesta categoria cabem por exemplo "D. Leonor", nas Caldas da Rainha, de 1935; "Salazar", retratado de borla e capelo, para a Exposição Internacional de Paris de 1937; "D. Dinis", na praça da Universidade de Coimbra, 1943, que o próprio Franco leva a estilizações decorativas academizantes. 
A tendência será seguida por escultores mais jovens, como Leopoldo de Almeida, em "Soberania", obra realizada em 1940, para a Exposição do Mundo Português e em "Ramalho Ortigão", para o Parque das Caldas da Rainha, 1954; ou Salvador Barata Feyo (1899-1990) com as estátuas de "Garrett", "Herculano" e "Antero", realizadas entre 1945 e 46, para citar apenas alguns exemplos de entre os inúmeros possíveis.
Obviamente Ponte e Sousa conhecia o meio das encomendas públicas, com que tinha convivido durante a prática no atelier de Leopoldo de Almeida. As suas pequenas e despretensiosas estatuetas, não deixando de o ser, conferem uma grau de sensibilidade criativa à representação do "capote", totalmente ausente da grande estatuária oficial. O capote ganha aqui uma dimensão doméstica, feminina e protectora, diametralmente oposta à expressão pretensamente heróica dos seus congéneres de grande escala.



Fernando da Ponte e Sousa - Nazarena, c.1955, SECLA. © PMC


Nazaré, 1958. Fotografia de Eduardo Varela Pécurto (n.1925).


Neste segundo exemplar há uma clara referência às inúmeras representações da Maternidade que, na década de 40 proliferaram, quer por via da imagética religiosa, quer através do seu contraponto neo-realista, de que damos como exemplo as peças do escultor Vasco Pereira da Conceição (1914-1992), pertencentes à colecção do Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, provavelmente também baseadas nas mulheres da Nazaré, região da qual o artista é originário.
Mais uma vez as peças de Ponte e Sousa se afastam dos estereótipos propostos em ambos os casos, não servindo nem o modelo religioso nem o neo-realista. Assumem uma linguagem de enorme liberdade, inscrevendo-se na gramática do cartoon, nada estanha à cerâmica das Caldas pela via de Bordalo Pinheiro, mas agora com um tratamento verdadeiramente moderno, tanto formal como conceptualmente.



Vasco Pereira da Conceição - "Figura de Mulher", 1957 e "Maternidade", 1952. Terracota. Col. CAM-JAP. © CMP



Fernando da Ponte e Sousa - Nazarena, marca de fábrica, SECLA. © PMC


As duas peças estão marcadas com as iniciais do autor "FPS", a par com as marcas "SECLA", "Portugal" e numerações correspondentes ao modelo. Muitos dos exemplares, provavelmente posteriores, não apresentam o monograma de Ponte e Sousa.



Nazaré, 1954. Fotografia de Jean Dieuzaide (1921-2003).



As duas peças aqui publicadas pertencem à colecção P.M.C. a quem CMP* muito agradece, pelas suas contribuições, imprescindível colaboração e infinita paciência.



domingo, 10 de março de 2013

Barco da série "Arte Nova" - Maria de Lourdes Castro - Fábrica de Loiça de Sacavém

Publicamos hoje uma das peças de maior envergadura, desenhadas por Maria de Lourdes Castro (n.1934) para a série Arte Nova, da Fábrica de Loiça de Sacavém.
Esta peça decorativa, em forma de taça oblonga de grande escala, com 50 cm de comprimento por 43 cm de altura, materializa modelarmente a abordagem escultórica introduzida pela ceramista na produção da F.L.S.
Desenvolvendo formas livres e orgânicas, evoca a configuração de um veleiro, cuja proa está claramente apontada (ver imagens abaixo), no entanto, os seus contornos são abstractizantes e dinâmicos, em especial o elemento vertical, representado a vela. 
Este elemento nasce de uma torção helicoidal, elevando-se de forma dramática em relação ao corpo da peça. Resultado apenas possível, com o auxílio de um modelador detentor de grande perícia técnica, provavelmente o escultor José da Silva Pedro (1907-1981) que, como anteriormente havíamos referido, trabalhou com Maria de Lourdes Castro, no desenvolvimento da maior parte das peças da série Arte Nova.
Segundo informações fornecidas por Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém, na tabela de preços de Maio de 1960, a peça, designada Barco, surge com a referência A-54, ao preço de 270$00. Acrescentando ainda que, uma anotação manuscrita lhe atribui o peso de 2.500 gramas. A mesma fonte refere também que, na tabela de Maio de 1979, já surge com a referência 9426, sob a designação Barco (A-54), com o preço de 580$00.

Outras peças da mesma série:
Varinas da série "Arte Nova" - Maria de Lourdes Castro - Fábrica de Loiça de Sacavém
Desenhos da série "Arte Nova" - Maria de Lourdes Castro - Fábrica de Loiça de Sacavém
Jarro da série "Arte Nova"- Maria de Lourdes Castro - Fábrica de Loiça de Sacavém
Pratos e Castiçal - Maria de Lourdes Castro - Fábrica de Loiça de Sacavém
Prato, garrafa e copos da série "Arte Nova" - Maria de Lourdes Castro - Fábrica de Loiça de Sacavém



Maria de Lourdes Castro/FLS - Barco A-54, c.1959. © CMP



Maria de Lourdes Castro/FLS - Barco A-54, c.1959. © CMP



Maria de Lourdes Castro/FLS - Barco A-54, c.1959. © CMP



Maria de Lourdes Castro/FLS - Barco A-54, c.1959. © CMP



Maria de Lourdes Castro/FLS - Barco A-54, c.1959. © CMP



Maria de Lourdes Castro/FLS - Barco A-54, c.1959. © CMP


Maria de Lourdes Castro/FLS - Barco A-54, detalhe. © CMP


O Barco A-54 pode ser considerado arquetípico do trabalho desenvolvido por Maria de Lourdes Castro, entre 1955 e 1959, na F.L.S., condensando toda a liberdade expressiva por ela imposta à produção de louça artística da fábrica. 
A expressividade das matérias, a modelação robusta mas fluída das formas, o uso de esmaltes densos em acabamentos informais, onde os vidros, escorrendo e interagindo entre si, revelam texturas, brilhos e cromatismos surpreendentes, marcam uma produção plena de liberdade orgânica, onde a emoção e a intuição se sobrepõem à razão.
Suplantando as condicionantes da produção em série, este conjunto de peças representa um momento raro na história da cerâmica industrial em Portugal, em que uma grande unidade fabril fomenta a elaboração criativa, tirando partido do experimentalismo, em proveito da melhoria da qualidade plástica da sua produção e simultaneamente garante, a uma produção de notórios contornos autorais, uma qualidade técnica só possível em contexto industrial.



Maria de Lourdes Castro/FLS - Barco A-54, detalhe. © CMP



Maria de Lourdes Castro/FLS - Barco A-54, detalhe. © CMP



Maria de Lourdes Castro/FLS - Barco A-54, detalhe. © CMP


Maria de Lourdes Castro/FLS - Barco A-54, detalhe. © CMP


Maria de Lourdes Castro/FLS - Barco A-54, detalhe. © CMP


Embora a peça date de um período anterior à viagem da ceramista para Itália, em 1960, ela reflecte, como aliás toda a série Arte Nova, fortes influências italianas. 
Neste caso, em especial das manufacturas da região de Turim, as mais corajosas e arrojadas no desenvolvimento de formas excêntricas, de contornos anti-racionalistas, totalmente contrários à optimização da produção em série. É quase milagroso que tais peças, cujas formas materializam uma absurda fragilidade, tenham chegado intactas aos dias de hoje.



Folha de modelos da série Arte Nova. © CDMJA-MCS © MAFLS


A folha de modelos da série Arte Nova, aqui reproduzida, faz parte do acervo do Centro de Documentação Manuel Joaquim Afonso do Museu de Cerâmica de Sacavém, publicada por MAFLS.




Maria de Lourdes Castro/FLS - Barco A-54, tardoz. © CMP


A generalidade das peças desta série, aparecem marcadas a pincel com a sigla "FLS", ou "Sacavém", ou sem marca e apenas com a referência do modelo incisa, como acontece neste caso.
Sendo objecto de menor tiragem, ao contrário da louça utilitária e decorativa da produção corrente, a série Arte Nova raramente está marcada com o típico carimbo de fábrica.


Maria de Lourdes Castro/FLS - Barco A-54, marca. © CMP