terça-feira, 22 de maio de 2012

Jarra e cinzeiro - Empresa Electro-Cerâmica do Candal

A Empresa Electro-Cerâmica do Candal, cessou gradualmente funções a partir de 1987, dando lugar ao Candal Parque, um parque industrial fundado em 1989, nas antigas instalações da fábrica, que actualmente alberga várias empresas de diferentes áreas de trabalho.
As origens da Empresa Electro-Cerâmica remontam a 1912, quando Joaquim Pereira Ramos funda uma oficina dedicada ao fabrico de material eléctrico, na Rua 24 de Julho, em Lisboa.
As crescentes dificuldades em obter regularmente peças em porcelana para o fabrico dos equipamentos eléctricos a que se dedicava, levam-no mais tarde à aquisição de uma pequena unidade de produção cerâmica, situada na Quinta das Regadas, no Candal em Vila Nova de Gaia. 
A fábrica dá início à laboração em 1914 e dois anos depois, Joaquim Pereira Ramos transfere a totalidade da empresa para o Candal, nascendo assim a Empresa Electro-Cerâmica Lda., que em 1919 se dissolve, dando origem à Empresa Electro-Cerâmica SARL.


Empreza Electro-Ceramica SARL - 2º Pavimento dos Fornos - Revisão e chacotagem, c.1920.


Cerca de 1930, a unidade fabril inicia o fabrico de louça decorativa e utilitária e em 1935 adquire, em parceria com a Vista Alegre, a Sociedade de Porcelanas de Coimbra, então ainda designada Sociedade de Porcelanas Lda.
A jarra abaixo reproduzida, provavelmente datada da década de 30, mede 22,5 cm de altura e é revestida com um esmalte translúcido cor de baunilha. A gramática decorativa Art Déco é aqui desenvolvida num friso relevado, onde flores e folhas geometricamente sintetizadas se organizam de forma repetitiva. Este tipo de friso vegetalista, com flores ou frutos, aparecia também vulgarmente entalhado no mobiliário da época, como um contraponto à geometria angulosa das formas.



Electro-Cerâmica do Candal - Jarra © JMPF


Electro-Cerâmica do Candal - Jarra, detalhe. © JMPF



Electro-Cerâmica do Candal - Jarra, detalhe. © JMPF



Electro-Cerâmica do Candal - Jarra, marca de fábrica. © JMPF


A decoração relevada do formato J.28 é, como bem notou Moderna uma outra nem tanto, visivelmente próxima do desenho decorativo da jarra, abaixo reproduzida, criada por Géo Condé (1891-1980) para a fábrica Saint-Clément, em França, onde foi produzida em faiança.



Géo Condé - Jarra, Saint-Clément. © AM-JMV


A Electro-Cerâmica do Candal produz o mesmo formato, J.28, em diferentes versões, na abaixo reproduzida o friso em relevo é pintado à mão com cores contrastantes, remetendo para outras propostas internacionais, em especial a obra da designer britânica Clarice Cliff (1899-1972).


Electro-Cerâmica do Candal - Jarra. MdS Leilões

Electro-Cerâmica do Candal - Jarra, marca de fábrica. © AM-JMV


Clarice Cliff, nascida em Stoke-on-Trent, região conhecida como The Potteries, pela enorme quantidade de fábricas de cerâmica aí situadas, começa a trabalhar na indústria aos treze anos de idade. 
Em 1916, fixa-se na oficina Arthur J. Wilkinson, em funcionamento na Royal Staffordshire Pottery, em Burslem. Finalmente, em 1927, estabelece um estúdio em nome próprio dando início à famosa linha de louça decorativa e utilitária denominada "Bizarre", que desenvolverá até 1964, quando se retira.
Clarice Cliff foi uma das mais influentes designers da sua época, tendo absorvido os ensinamentos do Orfismo de Robert Delaunay (1885-1941), aplicando-os à decoração cerâmica. Discos órficos em cores puras e luminosas misturam-se com elementos vegetalistas estilizados, na criação de padrões facilmente reconhecíveis no contexto da produção de cerâmica Art Déco.



Clarice Cliff - jarra e cafeteira formato Eton, Anos 30. NorthStaffordshire


Ainda que descendam directamente do Cubismo, as propostas artísticas de Delaunay exploram o lirismo da cor e a dinâmica das formas curvas, em especial  o círculo, aproximando-se da abstracção.
O Orfismo, embora de curta duração, estabelece-se como referência formal para as artes aplicadas, no período entre as Guerras, influenciando especialmente a Art Déco.



Robert Delaunay - Rhythm Joie de Vivre, 1930.


Sonia Delaunay (1885-1979), esposa de Robert, teve enormes responsabilidades nesta aproximação às artes aplicadas, dedicando-se ao desenho de padrões para têxteis, papéis de parede e tapeçarias, utilizados em moda e design de interiores. 
Partilhando os ideais do marido, a artista transfere-os para o quotidiano, explorando a sua vertente lúdica e potencialidades comerciais.
O trabalho pluridisciplinar desenvolvido por Sonia Delaunay continua a constitui-se como referencia para o design contemporâneo, como atestou o enorme interesse suscitado pela exposição Color Moves: Art and Fashion by Sonia Delaunay realizada no Smithsonian Cooper-Hewitt National Design Museum entre Março e Junho de 2011.


Sonia Delaunay - estudo para padrão abstracto, c.1928.


Sonia Delaunay - estudo para padrão floral, 1928.


Sonia Delaunay - maillot em tricot e estudo para maillots, 1928.

Sonia Delaunay - roupa de praia, 1928.


Durante a Segunda Grande Guerra a Empresa Electro-Cerâmica, tal como outras em Portugal, passa por enormes dificuldades económicas, sendo adquirida, em 1945, pelo Grupo Vista Alegre, que a recupera alargando a sua área de produção.
O Grupo passa assim a ser responsável, directa ou indirectamente, por toda a produção de porcelana no país, até ao aparecimento de novos concorrentes, nos anos após a Guerra, como por exemplo a SPAL, nascida em Alcobaça, em 1965.
O cinzeiro triangular, abaixo reproduzido, mede 12,5 cm por 2,5 cm de altura, sendo provavelmente datado da década de 40.
Aqui, a decoração floral, em decalcomania, não partilha a síntese formal tipicamente modernista, presente na geometria do formato, promovendo um contraste entre forma e decoração, muito comum na produção da época. Neste caso, o contraste não chega a ser dissonante, sendo atenuado pela harmonia cromática, sublinhada pela a simplicidade decorativa.
Regra geral as decorações tradicionais, florais ou não, muitas vezes de raiz Rococó, Romântica ou folclórica, tendem a enfraquecer a coesão formal dos objectos de desenho moderno, dando origem a híbridos destinados a um mercado mais abrangente.


Electro-Cerâmica do Candal - Cinzeiro. © MA

Electro-Cerâmica do Candal - Cinzeiro. © MA

Electro-Cerâmica do Candal - Cinzeiro, marca de fábrica. © MA



As informações sobre a história da Empresa Electro-Cerâmica do Candal, foram retiradas de Candal Parque e do blogue Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém.


CMP* agradece a colaboração de José Manuel Pinheiro de Figueiredo e Maria Andrade, autora do blogue Arte, livros e velharias, pela disponibilidade e cedência de imagens de peças das suas colecções.