quinta-feira, 26 de abril de 2012

Varinas da série "Arte Nova" - Maria de Lourdes Castro - Fábrica de Loiça de Sacavém

Os temas folclóricos e regionais foram explorados abundantemente nas artes decorativas, durante a vigência do Estado Novo em Portugal, sendo parte essencial da construção da identidade nacional através de imagens muitas vezes estereotipadas e de apreensão fácil.
Vários artistas das sucessivas gerações do modernismo abordaram o tema de forma mais ou menos moderna, consoante as situações e exigências do contexto: exposições internacionais, cartazes e folhetos turísticos, delegações do SNI (Secretariado Nacional de Informação), etc.
Na produção cerâmica do pós Guerra, as figuras folclóricas começam a ser tratadas de modo menos ilustrativo,  revelando uma maior plasticidade das formas e sobretudo uma notória fuga ao carácter descritivo da imagem.
As figuras de varinas que Maria de Lourdes Castro (n.1934) concebeu para a série Arte Nova da Fábrica de Loiça de Sacavém, são um bom exemplo desta abordagem. 
A Figura de Varina A-18 e a Figura de Peixeira (Nazarena) A-27, com cerca de 20 cm de altura, contêm uma expressividade dada pelo tratamento das formas e aplicação das cores e um dinamismo expresso pelo gesto e pelo esvoaçar das vestes. Qualidades estas que acabam por demonstrar maior competência na modelação, provavelmente executada pelo escultor José Pedro (1907-1981), do que propriamente no desenho.


Maria de Lourdes Castro/FLS - Figura de Varina A-18 e Figura de Peixeira (Nazarena) A-27. © JMPF

Na tabela de preços de 1960, cedida pelo Centro de Documentação Manuel Joaquim Afonso do Museu de Cerâmica de Sacavém, estas figuras aparecem com o preço de 100$00, como pode ver-se abaixo. 
Destas páginas constam ainda os preços de um conjunto de peças já aqui referenciadas:

A-9 Galheteiro galinha
A-10 Floreiro patinho
A-11 Cinzeiro patinho
A-13 Prato cinzeiro
A-21 Jarro nº4
A-22 Tijela
A-23 Jarra nº2
A-24 Azevinho grande
A-26 Azevinho pequeno


Tabela de preços de 1960, Fábrica de Loiça de Sacavém. © CDMJA-MCS


A pose mais tradicional da Figura de Peixeira (Nazarena) A-27, segurando a canastra com uma das mãos e um grande peixe com a outra, garante a elegância do porte, remetendo a dinâmica para o movimento da saia e o esvoaçar do cachené. É de salientar o jogo de linhas curvas sobre a cintura, dado pelo entrelaçar do braço com o peixe.


Maria de Lourdes Castro/FLS - Figura de Peixeira (Nazarena) A-27. © JMPF



Maria de Lourdes Castro/FLS - Figura de Peixeira (Nazarena) A-27. © JMPF



Maria de Lourdes Castro/FLS - Figura de Peixeira (Nazarena) A-27. © JMPF



Maria de Lourdes Castro/FLS - Figura de Peixeira (Nazarena) A-27, marca de fábrica. © JMPF


Esta peça está representada na folha de modelos da série Arte Nova, abaixo reproduzida, cedida pelo CDMJA-MCS.
Desta folha constam também o Tigelão A-25, a Folha de Eucalipto A-29 (cujo preço se pode ver na tabela acima reproduzida) e o Copo A-35, já anteriormente aqui publicado.


Folha de modelos da série Arte Nova. © CDMJA-MCS

A Figura de Varina A-18, quebra a pose clássica para dar lugar a um dinamismo dramático. 
O braço no ar, o lenço e avental que esvoaçam, conferem-lhe uma dimensão cinematográfica, como uma personagem captada no desenrolar de uma acção. 
Figuras de vulto perfeito, mudando a cada diferente ângulo de visão, estas varinas são também objectos de grande fragilidade. 
Os membros superiores afastados do corpo e os tecidos esvoaçantes quebram facilmente, sendo difícil na actualidade encontrar peças intactas.


Maria de Lourdes Castro/FLS - Figura de Varina A-18. © JMPF


Maria de Lourdes Castro/FLS - Figura de Varina A-18. © JMPF

No caso desta figura, a marca não aparece pintada na base mas sim gravada à mão, apenas A-18.


Maria de Lourdes Castro/FLS - Figura de Varina A-18, marca de fábrica. © JMPF


CMP* agradece a colaboração de José Manuel Pinheiro de Figueiredo, não só pela cedência de imagens de peças da sua colecção, mas também pelo trabalho adjacente de pesquisa que está na origem desta publicação.
Agradece ainda a colaboração do Museu de Cerâmica de Sacavém, pelos esclarecimentos prestados e pela cedência de imagens do seu centro de documentação.



quinta-feira, 19 de abril de 2012

Cinzeiros 630 - Aleluia

Com o objectivo de sistematizar a informação sobre a produção de cinzeiros do modelo 630, pela fábrica Aleluia, Aveiro,  publicamos uma tabela com as versões até agora divulgadas, aqui e no blogue Moderna uma outra nem tanto
Apelamos aos nossos leitores para que contribuam com imagens e informações sobre os modelos em falta, de modo a que a nossa tabela possa considerar os motivos decorativos e variações cromáticas  correspondentes a todas as letras do alfabeto. A tabela irá sendo actualizada à medida que recebermos novas informações.
CMP* agradece desde já a colaboração de todos, em especial aos que já contribuíram para a realização desta inventariação.



Cinzeiros 630 - ALELUIA

Referência Decoração Marca de fábrica Descrição
630 Exterior - branco
Rebordo - branco
Interior - preto
Figura - antropomórfica em amarelo, vermelho, branco e lustre branco
© AM-JMV
630 A Exterior - preto
Rebordo - branco
Interior - azul
Figura - linhas onduladas concêntricas a branco
© AM-JMV
630 B Exterior - verde claro
Rebordo - lustre verde
Interior - preto
Figura - antropomórfica em amarelo, vermelho, verde claro e lustre verde
© CMP
630 C Exterior - rosa velho
Rebordo -
Interior - preto
Figura -
630 D Exterior - azul
Rebordo -
Interior - preto
Figura -
630 E Exterior - lilás
Rebordo -
Interior - preto
Figura-
630 F Exterior - rosa claro
Rebordo -
Interior - preto
Figura -
630 G Exterior - cinzento
Rebordo - lustre azul
Interior - preto
Figura - antropomórfica em amarelo, vermelho, cinzento e lustre azul
© MAFLS
630 H Exterior - preto
Rebordo - lustre verde
Interior - verde claro
Figura - naipes de cartas de jogar em amarelo vermelho e preto
© HPS
630 I Exterior -preto
Rebordo - lustre rosa
Interior – rosa velho
Figura - naipes de cartas de jogar em amarelo vermelho e preto
© HPS
630 J     Exterior - preto
Rebordo – lustre azul
Interior – cinzento
Figura - naipes de cartas de jogar em amarelo vermelho e preto
© HPS
630 L
Exterior - preto
Rebordo - lustre rosa
Interior – rosa
Figura - naipes de cartas de jogar em amarelo vermelho e preto
© AM-JMV
630 M Exterior -
Rebordo -
Interior -
Figura -
630 N Exterior -
Rebordo -
Interior -
Figura -
630 O Exterior - preto
Rebordo – lustre amarelo
Interior - branco
Figura - naipes de cartas de jogar em amarelo vermelho e preto
© CMP
630 P Exterior -
Rebordo -
Interior -
Figura -
630 Q Exterior -
Rebordo -
Interior -
Figura -
630 R Exterior -
Rebordo -
Interior -
Figura -
630 S Exterior -
Rebordo -
Interior -
Figura -
630 T Exterior -
Rebordo -
Interior -
Figura -
630 U Exterior -
Rebordo -
Interior -
Figura -
630 V Exterior -
Rebordo -
Interior -
Figura -
630 X Exterior -
Rebordo -
Interior -
Figura -
630 Z Exterior -
Rebordo -
Interior -
Figura -
630 (publicitário) Exterior -preto
Rebordo - preto
Interior – creme
Figura - alusiva à Estalagem de Lamego
© HPS
630 (publicitário) Exterior - branco com detalhe amarelo
Rebordo - preto
Interior - branco
Figura - alusiva aos X Anos do Curso Médico de 1952 da Univ. Coimbra
© HPS

sábado, 14 de abril de 2012

Pratos rectangulares - Carlos Vizeu

CMP* associa-se hoje à homenagem ao ceramista Carlos Vizeu (1925-2012), recentemente desaparecido, prestada pelo blogue Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém.
Com formação em escultura pela Escola de Superior de Belas-Artes de Lisboa, Carlos Vizeu inicia trabalho em nome individual no final dos Anos 40, estabelecendo-se com atelier próprio, na Serra de Sintra, em 1950.
Embora escultor de formação, desenvolve em muitas das suas peças, experiências plásticas de grande eficiência pictórica, usando a cor e tirando partido das características matéricas dos esmaltes, como pode observar-se nos dois pratos com decoração abstracta, abaixo reproduzidos, provavelmente datados de finais da década de 60, inícios de 70.


Carlos Vizeu - prato. © CMP
Carlos Vizeu - prato. © CMP
Carlos Vizeu - prato. © CMP
Carlos Vizeu - prato. © CMP
Carlos Vizeu - prato. © CMP

Regra geral estas peças aparecem marcadas no tardoz com o punção "Carlos Vizeu" e "Made in Portugal", no caso das peças de carácter mais autoral, normalmente são datadas e assinadas à mão.


Carlos Vizeu - prato, marca de fabrico. © CMP


Ainda que em pequena escala (medem c.20 x 14 x 3 cm)  estes pratos apresentam uma gramática decorativa claramente subsidiária das experiências pictóricas gestualistas, levadas a cabo nas décadas de 40 e 50. 
Tanto o Informalismo francês como o Expressionismo Abstracto em Nova Iorque, implementam processos de trabalho que envolvem o corpo e a sua expressão através do movimento.
Embora Picasso (1881-1973), sempre recusasse os trilhos da abstracção, ao longo do tempo a sua pintura adquiriu um forte carácter gestual, onde o vigor do traço é impresso pelo impulso do movimento.
Este acto é encenado para a fotografia, nas imagens captadas por Gjon Mili (1904-1984), em 1949.
Picasso desenha no espaço, envergando uma lanterna em vez de pincel, transforma o gesto em rasto de luz efémero, eternizado pelo fotógrafo da LIFE.
Algumas destas imagens foram realizadas, como se pode ver abaixo,  na oficina de cerâmica Madoura, em Vallauris, onde o pintor havia começado a trabalhar em 1947.


Pablo Picasso, desenhando com luz , 1949. Foto de Gjon Mili. LIFE

Em Nova Iorque, os chamados Expressionistas Abstractos, ainda que herdeiros da tradição europeia, consubstanciam o primeiro movimento artístico de raiz americana, desempenhando um papel fundamental no estabelecimento da cidade como capital cultural do Ocidente, na segunda metade do século XX.
Jackson Pollok (1912-1956) é talvez o melhor exemplo da Action Painting, recorrendo ao uso de técnicas como o dripping, onde os pingos de tinta e os escorridos decorrentes da acção sobre a tela, dão corpo à expressão pictórica.
O trabalho do pintor, normalmente executado em privado, foi registado em filme pelo fotógrafo alemão Hans Namuth (1915-1990), em 1950.





Jackson Pollock, No. 7, 1950. MUMOK

Entre os pintores da chamada Escola de Paris, o Informalismo prospera após a Guerra, o Tachisme (da expressão francesa tache, que significa mancha) assume um lugar preponderante na produção artística francesa. 
O nome mais mediatizado desta tendência é Georges Mathieu (n.1921), que, explorando uma caligrafia abstracta de larga escala, muitas vezes executada perante uma audiência, põe em evidência a dimensão performativa da pintura.
A execução é rápida, intuitiva, usando a tinta directamente aplicada com o tubo, tirando partido de resultados circunstanciais.

Georges Mathieu, pintando, c.1950.

Georges Mathieu, Hommage á la Mort, 1950.

Estas tendências artísticas, dominantes na arte ocidental durante os anos imediatamente seguintes à Segunda Guerra Mundial, vão reflectir-se mais tarde nas artes decorativas, especialmente na produção cerâmica das décadas de 60 e 70, dando lugar a peças onde as propriedades plásticas dos pigmentos e dos vidrados são muitas vezes exploradas, incorporando as leis do acaso.
Tirando partido de uma gramática decorativa abstracta, os ceramistas jogam com as possíveis transmutações ocorridas durante a cozedura e vitrificação.
Estes efeitos casuísticos, causadas pelos mais diversos factores, desde o excesso de oxigénio às variações de temperatura, são transformados em mais-valias plásticas na criação de objectos irrepetíveis.


quarta-feira, 11 de abril de 2012

Cinzeiros - Aleluia

Como é habitual na produção da fábrica Aleluia, Aveiro, da década de 50, embora se desconheçam os seus designers e modeladores, verifica-se que eram conhecedores das tendências artísticas do seu tempo, convocando inúmeras referências da recente história da arte e demonstrando, através da concepção das peças, uma formação e informação bastante invulgares na produção portuguesa, predominantemente constituída por reproduções e cópias de modelos internacionais.
O cinzeiro modelo 630, já aqui publicado na versão 630 O e também divulgado pelo blogue Moderna uma outra nem tanto nas variantes 630 e 630 A, é desta vez alvo de análise na versão 630 B, uma variação cromática cujo exterior é verde claro e o rebordo verde nacarado um pouco mais escuro.
Esta peça é decorada com uma figura antropomórfica em movimento, evocativa das figurações inspiradas na Dança ou no Circo, desenvolvidas pelos artistas das Primeiras Vanguardas. 
Em especial nas características formais da obra de Hans (Jean) Arp (1886-1966) ou Henri Matisse (1869-1954) composta por formas dinâmicas, dominadas por linhas curvas, preenchidas por cores contrastantes e planas.


Aleluia - cinzeiro 630 B, Anos 50. © CMP

Aleluia - cinzeiro 630 B, Anos 50. © CMP

Aleluia - cinzeiro 630 B, Anos 50. © CMP

Aleluia - cinzeiro 630 B, Anos 50. © CMP

Aleluia - cinzeiro 630 B, marca de fábrica. © CMP

O motivo decorativo deste cinzeiro, também aplicado noutras peças, parece decorrer directamente das influências que os últimos trabalhos de Matisse exerceram sobre a produção gráfica da década de 50.
O legado de Matisse é extenso e de importância fundamental para o século XX, no entanto, foi com a publicação de Jazz (1947), obra reveladora de uma maturidade resultante do trabalho desenvolvido ao longo de quarenta anos, que o pintor chegou a uma vasta quantidade de publico não especializado, através da reprodução em série.
Jazz, concebido já no final da vida, é um livro de artista com cerca de cem páginas impressas a stencil, baseadas nas colagens de recortes de papéis pintados, realizadas pelo artista desde 1943.
Este álbum de páginas soltas foi editado por Tériade (1889–1983), crítico e editor de arte, que terá também sido o principal responsável pelo título. 
Matisse concebeu imagens relacionadas com o Circo e o Teatro, no entanto, o título Jazz, remete-nos para a ideia de improviso e para o advento do Bebop, no início da década de 40, inevitavelmente associado às vanguardas artísticas do pós Guerra.
Apesar de não ter sido escolhido pelo artista, o título adequa-se perfeitamente ao seu desenho rápido e sincopado, executado à tesoura, que, embora resulte tecnicamente de constrangimentos impostos pela enfermidade de que padecia, Matisse transforma num virtuoso exercício de sintetismo formal, rapidamente constituído modelo para os artistas gráficos das décadas vindouras.  
O motivo decorativo do cinzeiro 630 B, resulta da absorção de um conjunto de referências, algumas delas certamente vindas das páginas de Jazz.


Henri Matisse - Icare, Jazz, ed. Tériade, 1947.

Henri Matisse - Le Clown, Jazz, ed. Tériade, 1947.

Henri Matisse - Le Tobogan, Jazz, ed. Tériade, 1947.

Henri Matisse experimenta pela primeira vez a pintura cerâmica nos primórdios do movimento Fauve.
Com início cerca de 1904, o Fauvismo, cedo estabelece uma ligação à cerâmica através da colaboração de um grupo de artistas, próximos do coleccionador e comerciante de arte Ambroise Vollard (1866-1939), com o ceramista André Metthey (1871-1920).
Metthey, apostado em revigorar a pintura de faiança, funda uma pequena oficina em Asnières nos arredores de Paris, onde tira partido da utilização dos materiais locais, acreditando que pode criar uma nova linguagem sem recorrer ao pastiche historicista de finais do século XIX.
Vollard apoia-o agindo como catalisador da experiência, convida Matisse, Maurice de Vlaminck (1876-1958), Pierre Laprade (1875-1931), André Derain (1880-1954), Georges Rouault (1871-1958), Jean Puy (1876-1960) e o veterano Henri Rousseau (1844-1910), a deslocarem-se a Asnières e a envolverem-se nas actividades da oficina de Metthey. Os Fauve recebiam as peças em branco, prontas a serem pintadas, não tendo qualquer responsabilidade na modelação.
Matisse desde logo demonstra interesse pela representação dinâmica do corpo, e a sua transfiguração em função do movimento, como demonstram algumas das peças que pinta na oficina de Metthey, pratos e vasos com figuração humana irão de imediato povoar as suas pinturas de interiores.


Henri Matisse - jarra com nus, 1905-06. © SuccessionH.Matisse


Os Ballets Russes, fundados em 1909 por Sergei Diaghilev (1872-1929), marcaram de forma indelével a arte do século XX, desenvolvendo colaborações com alguns dos artistas fundadores da modernidade, como Jean Cocteau (1889-1963) ou Pablo Picasso (1881-1973).
Os primeiros espectáculos da companhia causaram uma forte impressão sobre os pintores Fauve, especialmente Matisse, que só bastante mais tarde teria oportunidade de com ela colaborar.
No mesmo ano em que os Ballets Russes se estrearam em Paris com Le Pavilion d’Armide, coreografado por Michel Fokine (1880-1942), o coleccionador russo Sergei Shchukin (1854-1936) encomendou a Matisse dois painéis decorativos, um representando a Dança e outro a Música, destinados ao Palácio Trubetskoy, sua propriedade em Moscovo. 
Rapidamente Matisse elaborou um primeiro estudo, La Danse (I), que dará origem à versão final de 1910. Nestas pinturas a linearidade das figuras associa-se à bidimensionalidade, reforçada pela economia no tratamento da cor. O pintor apercebe-se de que a ilusão de profundidade pode ser dada apenas através de  planos de cor, dando ênfase à dinâmica musical da composição.


Henri Matisse - La Danse (I), 1909. MoMA e La Danse, 1910. HermitageMuseum

Estas obras marcam a carreira internacional de Matisse, que se expandirá sob o signo da Dança.
Em 1932, a pedido de um dos seus maiores coleccionadores americanos, Albert C. Barnes (1872-1951), o pintor concebe um mural de grandes dimensões, subordinado ao mesmo tema.
Composto por três secções, La Danse II, destina-se a ser instalado nas arcadas do topo da galeria principal da Barnes Foundation, em Filadélfia.
Nesta obra o processo de sintetização da forma e da cor é acentuado, dando corpo à expressão "vida e ritmo", usada por Matisse para definir a dança.
As figuras, representadas de forma linear e sem cor, aparecem abruptamente cortadas, o fundo é interceptado por grandes faixas diagonais de cor plana, que se articulam com as arcadas, sublinhando a dinâmica dos corpos. 


Henri Matisse - estudo e mural La Danse II, 1932-33. BarnesFoundation


Alguns anos depois, Matisse terá finalmente oportunidade de colaborar com os Ballets Russes, que tanto o tinham impressionado na juventude.
Depois da morte prematura de Diaghilev, em 1929, a lendária companhia de bailado desfez-se, passando seguidamente por várias reencarnações, sob diferentes direcções, que deram origem a múltiplas tournées internacionais.
O Ballet Russe de Monte Carlo, foi criado por ex-membros dos Ballets Russes, em 1938, a partir da primeira reedição da companhia em 1932.
Léonide Massine (1896-1979), bailarino e principal coreógrafo da antiga companhia, foi um dos seus fundadores, mantendo as responsabilidades coreográficas.
Massine já tinha mostrado interesse em colaborar com Matisse, acabando por formalizar um convite, que dará origem ao bailado Noir et Rouge
Tendo como base musical a Sinfonia #1 de Dimitri Shostakovich (1906-1975), a peça terá estreia em Monte Carlo, em Maio de 1939, dando continuidade aos chamados ballets sinfónicos, criados por Massine imediatamente após a extinção dos Ballets Russes de Diaghilev, onde o coreógrafo trabalhou a partir de Sinfonias de vários compositores.
Matisse abordou a partitura de Shostakovitch através da cor, propondo cinco cores com significados alegóricos: branco - homem e mulher; amarelo - perversidade; azul - natureza; vermelho - materialismo e preto - violência. 


Noir et Rouge, Ballet Russe de Monte Carlo, 1939.

Os cenários, desenhados por Matisse e executados por Oreste Allegri, parecem retomar a as formas das arcadas da Barnes Foudation, já que a proposta do pintor para a coreografia de Massine seria um "vasto mural em movimento".
Os bailarinos usam fatos colados ao corpo, de cores planas pontuados por elementos gráficos, movendo-se num espaço estruturado pelos arcos do plano de fundo. Os grupos de bailarinos constituem grandes blocos de cor em movimento, como numa pintura viva 


Henri Matisse - secção do cenário de Noir et Rouge (reconstrução), Ballet Russe de Monte Carlo, 1939. ButlerUniv


George Zoritch (1917-2009), Nini Theilade (n.1915) e Marina Franca (1917-1999) em Noir et Rouge, Ballet Russe de Monte Carlo, 1939.

Henri Matisse e Alicia Markova com figurino de Noir et Rouge, Ballet Russe de Monte Carlo, 1939.


A concepção coreográfica de Massine, parece respeitar a proposta de Matisse de um "mural em movimento", já que é dominada por uma certa contenção do gesto, como pode observar-se no excerto de filme abaixo reproduzido, com comentário da primeira-bailarina Alicia Markova (1910-2004).





A dança manteve-se até ao final da vida, como assunto subjacente ao trabalho de Matisse, mesmo quando não era o tema desenvolvido, a dinâmica e a expressão do corpo estão presentes no modo como sintetizava as formas e as organizava no espaço. 
Em La Négresse (1952-53), uma das suas últimas obras, é evidente a memória de Josephine Baker (1906-1975) e das suas danças negras do final dos Anos 20 que agitaram Paris e serviram de mote a dezenas de obras de arte, sendo inevitavelmente transpostas para as artes decorativas e para a moda.


Josephine Baker, Danse Banane, 1927. Henri Matisse trabalhando e La Négresse, 1952-53. CPompidou

Matisse vai trabalhando em cerâmica pontualmente ao longo da sua carreira e, após a concepção do projecto decorativo da Chapelle du Rosaire (1951),  terá ainda uma última encomenda.
A coleccionadora americana e patrona das artes Frances Lasker Brody (1916-2009), pediu ao pintor que desenhasse um painel cerâmico para a sua residência em Holmby Hills, Los Angeles, projectada pelo arquitecto modernista A. Quincy Jones (1913-1979).
Matisse utilizou a técnica de recorte e colagem de papéis pintados na concepção do projecto, acabando por realizar três painéis de grande escala, até finalmente conseguir agradar à sua encomendadora, com a obra La Gerbe (1953), actualmente pertencente às colecções do Los Angeles County Museum of Art.
Este painel integrava na perfeição o pátio interior para que foi concebido, criando uma relação dinâmica com as plantas e mobiliário à sua volta.


Henri Matisse - La Gerbe, instalado na residência Brody, Los Angeles, 1953.


A paleta de cores primárias trabalhada por Matisse em Noir et Rouge, comum às experiências Neoplasticistas, Suprematistas e às propostas da Bauhaus, aparece ensaiada nas colagens preparatórias que antecedem o ballet. 
Este conjunto de cores orienta também as peças que compõem o Jazz, sendo igualmente dominante no motivo decorativo dos cinzeiros Aleluia, onde a figuração está imbuída de movimento e musicalidade. 
Os pontos de cor, que em Icare (Jazz) evocam o céu estrelado, podem aqui ser luzes de cena, remetendo para o universo da Dança, do Teatro ou do Circo, temas recorrentes na produção artística da primeira metade do século XX.

Henri Matisse - Deux Danseurs, colagem, 1938 WMOFA e motivo decorativo do cinzeiro 630, Aleluia, Aveiro. © AM-JMV


Retomando a temática dos cinzeiros Aleluia, vejamos ainda o modelo 630 com outras cores e decorações, satisfazendo diferentes propósitos, já que foi também usado para fins publicitários, respondendo a encomendas personalizadas.
Assim, no exemplar abaixo reproduzido podemos ver o motivo de naipes de cartas, na variante 630 J, com fundo azul e rebordo azul nacarado, com a inscrição a dourado "Recordação de Caldelas", produzido como recordação das Termas de Caldelas, destinava-se a ser vendido no local.


Aleluia - cinzeiro 630 J, 1950 - 60. © HPS

Aleluia - cinzeiro 630 J, detalhe. © HPS

Aleluia - cinzeiro 630 J, marca de fábrica. © HPS


Outra versão, datada de Maio de 1962, é uma edição limitada feita especialmente para a 1ª Reunião dos X anos de Formatura do Curso Médico de 1952, da Universidade de Coimbra. 
Neste caso, a marca de fábrica refere apenas o modelo, 630, sem fazer qualquer menção ao motivo decorativo.

Aleluia - cinzeiro 630, 1962. © HPS

Aleluia - cinzeiro 630, 1962, detalhe. © HPS

Aleluia - cinzeiro 630, 1962, marca de fábrica. © HPS


CMP* agradece aos vários coleccionadores a cedência de imagens de peças das suas colecções, bem como todas as informações e esclarecimentos prestados.